Vivência materna frente à surdez do filho sob a perspectiva do narcisismo na teoria psicanalítica

Abstract

A deficiência auditiva é considerada uma das mais incapacitantes. As principais dificuldades enfrentadas pela família de crianças com diagnóstico de surdez referem-se à comunicação, aos conflitos, à afetividade, e a integração entre eles. Objetivou-se compreender como as mães vivenciaram a maternidade frente à surdez do filho, sob a perspectiva do narcisismo na teoria psicanalítica. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, que envolveu oito mães de crianças com surdez em tratamento num serviço de implante coclear de um hospital do Recife, no período entre setembro de 2017 a setembro de 2018. O número final de participantes foi definido segundo os critérios de saturação. Foi utilizado instrumento específico para a pesquisa, de onde foram analisados os seguintes eixos nas entrevistas: desejo relacionado à maternidade; suspeita ou diagnóstico da surdez; confronto do bebê imaginário e do bebê real; sentimento de fracasso com o nascimento de um filho com deficiência; investimento libidinal transformador do corpo orgânico do bebê em corpo sexuado, suporte social entre pares e equipe de saúde e repercussão após o tratamento com implante coclear. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra, e o material foi analisado e discutido entre o grupo da pesquisa, buscando-se a partir dos diferentes olhares a construção interpretativa das narrativas e a avaliação dos aspectos de cunho transferencial. A análise de conteúdo em sua modalidade temática de Minayo incluiu a leitura transversal do material. Foi possível conhecer a pré-história de cada bebê no que diz respeito a sua concepção, revelando narrativas com grande teor emocional e de histórias com entrelaçamento de sentimentos complexos para tornar-se mãe e possivelmente reverberando no bebê e sua existência. Desse modo, indagou-se como um bebê, por exemplo, fruto de um desejo de vingança, não de filho, e como os outros nascidos também num contexto turbulento, talvez pudessem tornar-se ensurdecidos para existir diante do insuportável, histórias que remontam as suas origens. Revelou que a negação da percepção materna da surdez nos primeiros meses ou anos do filho e a dificuldade de aceitação do diagnóstico médico podem estar relacionadas à dificuldade de aceitação da sua própria incompletude, da castração e da identificação. Gerar seres incompletos pode remeter à sua própria incompletude. Quando confrontadas com o diagnóstico médico, confirmando a deficiência auditiva, este foi recebido com muito impacto, sofrimento e fragilidade emocional, mostrando como o diagnóstico pode vir a afetar o narcisismo materno. Conjecturou-se que a não suspeita consciente da surdez tenha mostrado a dificuldade de aceitar o bebê real. Ao mesmo tempo, também se inferiu que o não saber consciente a respeito do diagnóstico pôde proporcionar tempo para que a mãe pudesse investir libidinalmente e formar o vínculo com o seu bebê, fator primordial para a constituição psíquica do sujeito. O suporte social e o encontro acolhedor com a equipe de saúde funcionaram como sustentação emocional ajudando a mãe a elaborar o luto do bebê perfeito. No tocante à aquisição de habilidade auditiva possibilitada pelo implante coclear, percebeu-se o jubilo externado pelas mães, indicando este elemento como fundamental para alinhavar o narcisismo materno, o qual tem uma função imaginária de recompor o corpo perfeito, incompleto. Apesar de que no início da avaliação para o tratamento as mães tenham resistido ao implante. Considerando os aspectos subjetivos o tempo de elaboração materna frente à deficiência auditiva deve ser respeitado para a efetivação do “sucesso” do implante.