A leitura simbólica de sintomas e sonhos de pessoas em cuidados paliativos

Abstract

RESUMO. CENÁRIO: O atendimento em cuidados paliativos propõe uma abordagem integral e humanizada, considerando as dimensões físicas, sociais, psicológicas e espirituais da experiência de adoecimento. Nesse contexto, tanto os sintomas quanto os sonhos podem ser compreendidos como expressões simbólicas da psique, revelando conteúdos inconscientes que oferecem pistas sobre a vivência subjetiva da terminalidade. A escuta desses elementos simbólicos pode favorecer a ampliação da consciência e a reorganização interna dos pacientes, promovendo sentido e integração em um momento de vulnerabilidade. OBJETIVO: Compreender simbolicamente sintomas e sonhos de pessoas em cuidados paliativos, sob a perspectiva da Psicologia Analítica. MÉTODO: Trata-se de uma pesquisa de campo, exploratória, com abordagem qualitativa. A análise foi realizada com base na Técnica de Análise de Conteúdo Temática de Minayo, articulada à Psicologia Analítica. ASPECTOS ÉTICOS: O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer nº 6.942.080), conforme os princípios da Resolução CNS nº 510/2016. RESULTADOS: A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, questionário sociodemográfico e diário de campo. Participaram da pesquisa oito indivíduos com idades variando de 42 a 89 anos (média de 56 anos), sendo três homens e cinco mulheres, atendidos em ambulatório de um serviço de cuidados paliativos de referência na cidade do Recife. A maioria dos participantes possuía diagnóstico de câncer, com tempos de evolução da doença variando de 2 a 14 anos, sendo tratados predominantemente com quimioterapia e radioterapia, e alguns com apenas medicação. Quanto à escolaridade, variaram entre analfabetismo e ensino superior. Em termos de ocupação, os participantes estavam predominantemente aposentados ou em atividades domésticas, com uma amostra representativa de diferentes contextos socioeconômicos. A maioria identificou-se com a religião católica ou evangélica, e todos possuíam filhos, com grande parte residindo com familiares próximos, o que pode indicar a relevância da rede de apoio no contexto dos cuidados paliativos. A análise dos dados revelou três eixos principais que permeiam a compreensão dos sonhos e das experiências dos participantes, evidenciando a dinâmica psíquica no contexto do adoecimento e do processo de cuidados paliativos: (1) Convocação do inconsciente à transformação, que destaca a doença com potencial catalisador de um processo de introspecção e ampliação da consciência; (2) Apoio por meio das imagens oníricas, que evidencia a função do Self e a presença simbólica de figuras afetivas nos sonhos como possibilidade de suporte emocional e reorganização psíquica; e (3) Sintoma como desafio para a superação, que compreende os sintomas como manifestações simbólicas que podem impulsionar o paciente à confrontar aspectos existenciais e integrar conteúdos psíquicos reprimidos. O primeiro eixo revela como a doença pode provocar uma reavaliação de valores e crenças, levando os pacientes a um processo de transformação interior, em que o inconsciente se torna um aliado na ampliação da consciência. O segundo eixo enfatiza a função do Self, representado por imagens oníricas de figuras afetivas que podem oferecer suporte emocional e ajudam na reorganização psíquica, promovendo alívio e harmonia interna. Já o terceiro eixo destaca os sintomas como manifestações do inconsciente, que, ao serem interpretados simbolicamente, se tornam desafios que instigam o paciente a integrar aspectos reprimidos de sua psique, levando a um processo de superação. Esses três eixos refletem a importância da escuta simbólica no contexto dos cuidados paliativos, reconhecendo os sonhos como uma possibilidade de ferramenta terapêutica para o enfrentamento da dor e da morte, além de promoverem a transformação psíquica e emocional dos pacientes. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Os sonhos se mostraram instrumentos de comunicação do inconsciente, com potencial de promover a elaboração emocional, a possibilidade de reconciliação com a condição de finitude e a busca por novos significados. A integração simbólica entre sintomas e sonhos revelou uma dinâmica de autorregulação psíquica que pode favorecer o enfrentamento da doença ameaçadora da vida. Como produto da pesquisa, foram elaborados um artigo e um roteiro de podcast para difundir os achados e colocá-los ao alcance tanto de profissionais quanto de familiares, destacando a importância da escuta simbólica nos cuidados paliativos. Palavras-chave: sonhos; simbolismo; cuidados paliativos; teoria junguiana; saúde.